data-filename="retriever" style="width: 100%;">Imaginem uma sociedade onde não existe o afeto, nem famílias, e as pessoas fazem uso contínuo e legalizado de uma droga para não ficarem tristes. Os homens são "fabricados" em laboratório nas quantidades necessárias e condicionados, desde a fecundação, para a posição social que devem ocupar. Tudo isso controlado por um estado autoritário que, pacificamente, impõe as suas regras sociais. Essa distopia foi imaginada para um futuro de 600 anos, pelo filósofo inglês Aldous Huxley no livro "Admirável Mundo Novo", publicado em 1932. Na edição de 1947, em seu prefácio, o autor se autocorrige na previsão do tempo que havia imaginado, antecipando aquela realidade para meados de 2040.
As previsões desse visionário parecem estar sendo cumpridas em diferentes aspectos. Mas, nesse texto, vou me deter apenas nas questões familiares, eis que as mudanças nessa área atropelam a previsão legal e mesmo a própria jurisprudência.
A instantaneidade das uniões afetivas são reais, bem como a preocupação cada vez maior com seus efeitos materiais. A contratualização dessas relações começa a ultrapassar a previsão legal da comunicabilidade ou não do patrimônio através da escolha de um regime de bens, superando o que a legislação originariamente prevê para os pacto antenupciais ou para os contratos de convivência. Como grande exemplo, tem-se a popularização do pacto afetivo conhecido como "contrato de namoro".
Ante a naturalização da temporalidade nas relações afetivas, tem-se verificada a inserção de cláusulas indenizatórias em caso de traição, multas progressivas a serem pagas por quem tiver a iniciativa de terminar o relacionamento, regramento de uniões poliafetivas e até mesmo situações que atentam contra o próprio direito da personalidade.
No Brasil, gerou espanto o acordo feito entre o falecido Gugu Liberato e a mãe de seus filhos, referindo-se tão somente a uma parentalidade compartilhada, definindo as responsabilidades perante a criação das crianças frutos dessa união. Esse pacto provocou uma discussão jurídica acerca do próprio conceito de união estável e seus efeitos.
Ganhou repercussão mundial a cláusula contratual imposta pelo jogador de futebol americano Tony Romo, de que sua mulher, a cantora Jessica Simpson, deveria indenizá-lo caso seu próprio peso aumentasse ao longo da vida conjugal, numa evidente violação da própria dignidade. Se os princípios constitucionais não permitem tais estipulações, ainda que assegure a autonomia das vontades para que o casal defina seus próprios padrões na vida em comum, é preciso que o necessário equilíbrio seja encontrado, sob pena de estarmos "desumanizando" o afeto.
Em nome da liberdade, os contratos afetivos podem conter cláusulas existenciais desde que estas não violem os princípios da dignidade humana, da igualdade entre os cônjuges e da solidariedade familiar. Deve haver uma barreira ética nesses acordo, sob pena de estarmos caminhando a passos largos para um mundo novo não tão "admirável" assim.